Por
Hélio Machado
Ontem
refleti sobre a vida de um Zé ninguém.
Zé
ninguém não tem cor. Não tem nome. Não têm direitos. Não tem identidade. Zé
ninguém não tem opções. Tem obrigações. Isto quando tem, ou finge que tem.
Afinal ele é um Zé ninguém.
Acontece
que Zé Ninguém também é gente. Também possui uma alma. E um voto.
Principalmente um voto. Para eles o voto vale mais que a alma. O pior é que nem
mesmo Zé ninguém valoriza sua alma. É capaz de vendê-la por alguns trocados.
Geralmente, Zé ninguém negocia sua alma pelo voto, ou a usa como garantia na
hora da negociação. Isto é muito bom para o negociador, até porque ele também
já vendeu a sua alma faz muito tempo.
O
negociador não tem alma, tem um cargo político. Às vezes, ele confundi um com o
outro. Ela ou ele. Afinal ele perdeu o verdadeiro sentido de valor. Já não sabe
mais qual dos dois vale mais. Prefere o valor das urnas que o valor da moral.
Neste caso ele se torna um ótimo aliciador. Digo aliciador de votos.
Na
melhor das hipóteses, Zé ninguém sai lucrando com uma dentadura nova que pensa
que é de ouro, mas na verdade, são dentes de outros que já morreram. O
aliciador os matou para tirar os dentes. Os matou na fila do SUS. Os matou na
hora em que foram pagar seus impostos. Os matou quando pensaram que a
aposentadoria seria algo justo. Quando imaginaram que seus filhos, no futuro,
teriam algo melhor.
Zé
ninguém achou que levaria pelo menos uma leve vantagem na caçamba de barro.
Errado de novo. O barro era do IBAMA. Também custou a alma de outros que o
aliciador negociou. E Zé ninguém nem se lembrou que já era a alma dos seus
netos que estavam sendo hipotecadas. Ele só saberá com os próximos resultados
que os meteorologistas e observadores da natureza vão dar daqui a dez anos.
Para o aliciador é apenas mais um pequeno desentendimento da natureza e só. Mas
para o Zé ninguém poderá custar sua vida ou a de um ente querido. Zé ninguém
não sabia. Talvez descubra tarde demais.
Zé
ninguém se esqueceu ou talvez nem tomasse conhecimento de que ontem um outro
aliciador fora preso. E o pior é que chamaram para depor, outro Zé ninguém que
também havia sido aliciado. Como o aliciador é mais ágil na negociação,
certamente, vai trocar a sua prisão pela prisão do Zé ninguém. Neste caso, também
o utilizará como laranja, mas um tipo de laranja fel, amargo mesmo, tanto no
sabor quanto na conseqüência.
Mas
o Zé ninguém não lê, não ouvi noticiário, nem assiste ao tele-jornal. Se o faz
é só para conferir o resultado do horóscopo, das olimpíadas ou do campeonato
brasileiro.
Na
verdade, Zé ninguém prefere ver novela e assistir ao Big Brother. Isto é mais
um motivo porque o aliciador sempre vence. O Zé ninguém se confunde na hora de
votar. Pensa que está votando no Tony Ramos. Só depois das eleições é que
descobre que tinha votado mesmo era no Fernandinho Beira-mar.
Hoje
Zé ninguém acordou cedo e percebeu uma coisa: descobriu que a favela perto da
sua casa, não é igual àquela de uma antiga novela da rede Globo, onde o Antônio
Fagundes era o dono. A favela aqui é de verdade. E pior. Teve um leve
pressentimento que muitos terminaram indo morar ali por culpa do aliciador. Ele
tinha comprado suas almas e junto delas os seus direitos de bem morar.
Eles
chamavam aquele lugar de área verde. Contudo não tinha nada de verde ali. Até a
erva não era mais verde. Agora era de crack que chamavam aquele negócio. E o
pior é que o filho do aliciador também usava.
Então
Zé ninguém olhou para a parede e viu um calendário. Estamos em 2012. Este ano
não é só o ano das olimpíadas de Londres. Também é ano de eleição. Deu uma
olhada nos documentos dentro da gaveta e viu que tinha três anos de impostos
atrasados. O talão da luz estava vencido e já tinham lhe avisado que iam cortar
sua energia. A novela das oito (que não é as oito e sim as nove) estava
chegando a seu desfecho final. Não poderia ficar sem energia.
Bom,
mas e o leite das crianças?!! O leite?!! Ah o leite!!! Fazia dois anos que não
conseguia um emprego decente. Pedir?
Roubar? Traficar? Pois é... Mas Zé Ninguém não é marginal. Apenas quer
viver. Apenas queria poder experimentar o verdadeiro significado da tal de
dignidade.
Foi
então que Zé ninguém teve uma pequena luz em seu entendimento. Percebeu o
quanto poderia valer o seu voto. Descobriu que valia bem mais que o preço que o
aliciador costumava pagar. Descobriu também que na verdade o aliciador nunca
poderia pagar o verdadeiro valor do seu voto. Chegara o momento de refletir
melhor.
O
aliciador estava para chegar a qualquer momento. Era hora de dizer Não a ele. O
aliciador precisava saber que o seu voto não estava mais a venda. E que também
ele (o aliciador) não era digno do mesmo.
Talvez
ele (Zé ninguém) não entenda no momento o verdadeiro significado de não vender
o seu voto. Mas o seu filho, que ainda há pouco estava chorando no berço com
fome, no futuro terá muito que lhe agradecer.
Cordialmente
Hélio Machado
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ResponderExcluirMuito bom!!! Parabéns. Abraço
ResponderExcluirLéo