segunda-feira, 2 de abril de 2012

UM CÂNTICO NA ESCURIDÃO




Por Hélio Machado
Era um dia útil de trabalho na movimentada cidade do Rio de Janeiro. Era possível perceber o caminhar preocupante das mais diferentes figuras humanas circulando de um lado para o outro cada qual com suas preocupações. A maioria delas bem vestidas. Havia muitos homens circulando de terno e gravata, ostentando uma imagem periférica de grandeza e orgulho.

Porém, entre as pessoas que circulavam havia um homem parado. Ele era um pedinte. E mais... Ele era cego. Estava ali para pedir esmolas. Mas para que sua esmola não lhe saísse de graça, então ele cantava. Era sua forma de tentar sobreviver, diante do privilégio nada agradável que o destino havia lhe reservado.

De repente aquele pedinte chamou a atenção de um escritor que caminhava na direção em que ele se encontrava. Aquele intelectual tentando agir como um bom samaritano foi até uma lanchonete e comprou um lanche para o pedinte, que o recebeu de bom grado, comeu e continuou a cantar suas canções folclóricas, esperando em troca receber alguns míseros trocados.

Achando que já havia feito a sua parte aquele escritor e conferencista se afastou um pouco do pedinte e passou a comparar o comportamento do pedinte em relação as pessoa que passavam de largo. E algo lhe prendeu a atenção. O pedinte era o único que cantava.

O escritor começou a se questionar de qual repartição da alma daquele pobre pedinte viriam suas canções?!! E as outras pessoas?!! Elas não Cantavam!! Então começou a imaginar o que se passava por trás daqueles ternos e gravatas bem alinhadas.

Alguns eram executivos! Outros advogados, empresários, etc., porém nenhum tinha uma canção, pelo contrário a maioria com um olhar carregado de preocupação.  Quem sabe processos em aberto? Dívidas a serem saudadas? Casamentos destruídos? Títulos protestados.

O escritor também imaginou que tipo de família e moradia poderia aguardar o pedinte quando chegasse a sua casa?!! Ele tinha uma bela esposa, um bom apartamento, um bom carro, era um palestrante requisitado, um escritor famoso? Mas... E o pedinte? O que ele possuía? Contudo ele tinha uma canção.

Foi então que ele pode visualizar com mais clareza o significado de hipocrisia! Falsa aparência! Orgulho doentio! E outros atributos degenerativos que poderiam estar acompanhando aquelas pessoas.

Provavelmente aquele pedinte não sofria de stress – a doença do século! Ele tinha uma canção. Suas roupas eram velhas, sapatos furados, talvez seu destino no fim do dia fosse uma das favelas do Rio de Janeiro, porém mesmo assim, ele ainda podia cantar. E os outros?! Poderiam?!!

Ao retornar para o seu escritório, aquele escritor escreveu um artigo narrando este acontecido e conclui que, embora fosse ele que enxergasse, porém foi o pobre cego que lhe concedeu uma nova visão.

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