Autor Hélio Machado
Seria apenas mais
um dia comum como os demais para ele, refletindo a realidade ocupacional de
Caná, pequena cidade da região da Galiléia, uma comunidade com o formato
sócio-econômico e cultural da região da Palestina dos tempos bíblicos do Novo
Testamento.
Não muito longe dali, a pouco mais de seis quilômetros, avistava-se a
vizinha comunidade de Nazaré, geograficamente menor e com uma estrutura não mais
privilegiada que Caná, detalhes que davam certo tom ao preconceito que sofria a
região.
Como sempre as
disparidades sociais e econômicas acabam construindo junto com sua história
jargões pejorativos que com o passar dos anos terminam misturando-se com o
contexto cultural de cada comunidade, e Nazaré possuía os seus.
Como um bom
Israelita Natanael mantinha um comportamento pautado pela ética. Uma prova de
sua conduta era em ser verdadeiro em suas palavras, pelo menos no que pensava
ser a sua verdade. Quando se tratava de espiritualidade não se emocionava muito
fácil com qualquer prédica até porque conhecia muito bem o jargão que já era
parte do contexto popular de sua região que nenhum profeta procederia da
galiléia, colocando assim suas comunidades em uma condição não muito favorável
na listagem dos possíveis acontecimentos ligados ao mundo transcendental.
Porém naquele dia
um fato novo mudaria para sempre não somente seu conceito, mas também a sua
vida. Ao encontrar-se com Filipe, um habitante da vizinha comunidade de
Betsaida, Natanael é surpreendido com uma informação: “Achamos aquele de quem Moisés escreveu na lei, e a quem se
referiram os profetas: Jesus, o nazareno, filho de José”. (João 1:45).
Natanael tinha suas
convicções. Alimentava certa expectativa nas promessas originadas da lei e dos
profetas. Era consciente da promessa do Messias. Tinha fé o suficiente para
acreditar que um dia o Messias viria, mas ao mesmo tempo incredulidade o
bastante
para aceitar que o Messias poderia estar logo ali, à apenas
pouco mais de seis quilômetros de sua casa.
E como quem olha em um retrovisor e avista apenas os
resquícios de um temporal, Natanael prefere não ver o arco íris que refletia do
céu sinalizando para um dia de sol. Então num gesto de ironia e descrença
questiona Filipe: “Pode vir alguma coisa boa de Nazaré?” (Jo 1:46a).
Não posso culpar Natanael por isso. Ainda faltava-lhe uma experiência
que transcendesse ao que seu conceito racional e religioso podia assimilar. Somos assim. Nossas convicções quase sempre
são frágeis. Somos capazes de construir frases cheias de otimismo, mas no final
mesmo sem perceber terminamo-las sempre com um ponto de interrogação. (?)
O que fazer então com uma concepção tão cética? Como acrescentar fé em
uma mente tão racional? Era o momento de apresentar mais do que palavras. E
Filipe tinha mais do que palavras para apresentar. Com um olhar determinado e
com a certeza de quem está com total controle da situação, Filipe formula a
Natanael um convite: “Vem e vê” (Jo1: 46b).
Natanael pode constatar pessoalmente e ter a sua própria experiência.
Deixamos que o evangelista João nos conte os detalhes:
Jesus, vendo a
Natanael aproximar-se, disse dele: Eis um verdadeiro israelita, em quem não há
dolo! Perguntou-lhe Natanael: Donde me conheces? Respondeu Jesus: Antes de
Filipe chamar-te, eu te vi, quando estavas debaixo da figueira. Replicou-lhe
Natanael: Mestre, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel. Disse-lhe
Jesus: Por eu te dizer que te vi debaixo da figueira, crês? Maiores coisas do
que estas verás. E acrescentou: Em verdade, em verdade vos digo que vereis o
céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem. (João
1:47-51)